A relevância e os desafios das parcerias entre poder público e sociedade

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As entidades privadas sem fins lucrativos, também conhecidas como Organizações da Sociedade Civil (OSCs), lideram iniciativas relevantes no país em áreas como assistência social, educação, saúde, cultura, tecnologia, gestão de pessoas e combate às desigualdades, além de promoverem ações de inovação, fiscalização e avaliação de políticas públicas. Parcerias entre o poder público e as OSCs são uma realidade há décadas no Brasil, mas desafios em sua implementação persistem até os dias atuais.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, essas parcerias ganharam contornos normativos específicos, coexistindo, até hoje, distintos regimes jurídicos regendo essas relações. São exemplos a Lei 9.637/1998 (Lei das Organizações Sociais), a Lei 9.790/1999 (Lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) e até mesmo a Lei 8.666/1993, que institui os convênios com a administração pública. Ao longo dos anos, consolidou-se um entendimento de que, apesar da existência de diferentes regimes jurídicos, faltava uma legislação que fosse abrangente, clara e adaptada às diversas características e necessidades das OSCs. Também se entendia que era necessário ir além da lógica meramente burocrática das parcerias, e focar nos impactos gerados, assim como superar a exigência de a OSC possuir certificação prévia – sendo Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) ou Organização Social (OS) – para estar apta a contratualizar com o poder público.

Em 2014, foi promulgada a Lei 13.019, chamada de Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Este surgiu com o objetivo de uniformizar as regras e parâmetros para celebração de parcerias entre o poder público e as OSCs, além de buscar prover efetividade, segurança e transparência a essas relações. Após quase dez anos de sua promulgação, se, de um lado, é possível observar como as parcerias com as OSCs são importantes para governos que buscam potencializar os impactos sociais de suas políticas públicas, por outro, é possível perceber as dificuldades que os governos enfrentam para implementar o MROSC.

Pelo MROSC, poder público e OSC estabelecem uma relação de colaboração, na qual as partes envidam seus melhores esforços para alcançar um objetivo comum e de interesse público. Por meio de parcerias com o Estado, as OSCs podem ter uma participação mais direta no ciclo de políticas públicas, desempenhando diferentes papéis. Nesse sentido, as OSCs podem participar ativamente de diversas etapas, desde o apoio à formulação da política, com a participação em conselhos, compartilhamento de experiências e metodologias, elaboração de diagnósticos, aproximação com os territórios e execução de ações e projetos. Além disso, as OSCs podem atuar no monitoramento e na produção de análises das ações do poder público, exercendo o controle e reflexão sobre os meios utilizados e os resultados atingidos.

Em estudo realizado com administradores públicos[1], foi possível aferir que os gestores percebem que as OSC atuam de forma complementar à atuação do poder público, além de ampliarem a participação social na implementação de suas políticas, permitindo um ganho de qualidade e escala. Nesse sentido, é possível entender que há uma percepção positiva da gestão pública quanto às parcerias com OSC, principalmente quanto à contribuição delas na garantia de direitos e na continuidade da execução de políticas estabelecidas.

Outro benefício que pode ser citado é que a parceria com a OSC, simultaneamente, é capaz de gerar impacto social e econômico. Segundo as análises realizadas divulgadas recentemente[2], as atividades econômicas desenvolvidas por OSCs somaram cerca de R$ 220 bilhões em valor agregado no ano de 2015. Ademais, essas atividades foram responsáveis pela criação de 4,7 milhões de postos de trabalho. Apenas o setor da educação é responsável por mover cerca de R$ 30 bilhões e por gerar a soma de mais de 720 mil empregos. Isso significa que as atividades do intitulado “terceiro setor” representam 4,27% do valor do PIB brasileiro, ficando próximo da representatividade de setores como a agricultura (que representa 4,67% do PIB). Nota-se, assim, que pesquisas como essa colocam as OSC em destaque na agenda pública, dado o poder de unir impacto social com benefício econômico, concretizado por meio do fomento por parte da administração pública, da geração de empregos, mobilização de recursos, contratação de serviços, entre outros.

Apesar da importância dessas parcerias, que pode ser observada pelos desdobramentos positivos das parcerias no âmbito social e econômico, persiste ainda um desafio de compreensão do MROSC pelo poder público. Na prática, percebe-se que, especialmente os gestores municiais, ainda desconhecem a legislação e os processos para contratualização com as OSCs. Por essa razão, hesitam sobre a aplicação desse marco regulatório. Há, ainda, outros exemplos que indicam como o poder público desconsidera as potencialidades do MROSC, como a habitualidade de editais de parceria fundamentados na antiga Lei de Licitações (Lei 8.666/93), o número reduzido de entes federativos que possuem sistemas para cadastro e gestão das parcerias com OSC e os raros exemplos de conselhos participativos criados – apesar de previstos na lei – para divulgar boas práticas e auxiliar no fortalecimento das parcerias.

Por isso, é fundamental divulgar experiências existentes, que podem ser utilizadas para impulsionar parcerias com as OSCs e servir de exemplo aos interessados em promovê-las e replicá-las em suas organizações e governos. São exemplos, nesse sentido, as parcerias da Vetor Brasil, organização da sociedade civil voltada a desenvolver lideranças para o setor público que atua desde 2015 com governos municipais e estaduais.

Destacam-se três parcerias importantes que a Vetor Brasil celebrou recentemente, com os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, e com o município do Recife. Guardadas as particularidades de cada uma, essas parcerias são regidas pelo MROSC e buscam contribuir com a administração pública, por meio de iniciativas inovadoras, na atração e pré-seleção de profissionais, mapeamento de competência de diretores escolares, desenvolvimento de lideranças, além da promoção de diversidade e inclusão no setor público. Em vista disso, essas são experiências relevantes, que podem ser utilizadas como parâmetros, de forma a reduzir as dificuldades do poder público no uso do MROSC. Ademais, é relevante dizer que entre as 3 experiências citadas todas elas utilizaram mecanismos diferentes propostos no MROSC, artifícios dos quais a própria administração pública ainda pouco explora.

É possível, dessa forma, entender o MROSC como instrumento possível e viável para potencializar os efeitos das políticas públicas, tão caras à sociedade brasileira, viabilizando parcerias com entidades que possuem expertise em suas áreas de atuação. As parcerias com as OSCs podem, nesse sentido, permitir a inovação pelo setor público e conciliar impacto econômico e social, alavancando entregas de qualidade para a população e garantindo políticas públicas diversas e relevantes.

[1] Mendonça, M. E. Patrícia; Vilas Boas, Lucas; Leichsenring, Alexandre Ribeiro. “Percepção dos gestores públicos no processo de implementação da Lei nº 13.019/2014 (MROSC) nos contextos subnacionais”, disponível em: https://sinapse.gife.org.br/download/marco-regulatorio-das-organizacoes-da-sociedade-civil-avancos-e-desafios

[2] O estudo “A importância do Terceiro Setor para o PIB no Brasil e em suas Regiões” foi coordenado pela Sitawi, executado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), sendo uma iniciativa do Movimento por uma Cultura de Doação. Está disponível em: https://info.sitawi.net/terceiro-setor-pib-brasil?utm_campaign=duplicado_de_comm_institucional_pos_evento_pib_compareceu&utm_medium=email&utm_source=RD+Station#rd-section-joq3m2lv

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