Agora é com vocês, eleitores

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O contador marca que estamos a dois dias da eleição mais importante desde a redemocratização. É também uma eleição marcada por uma campanha atípica, em que é difícil encontrar modelos que deem conta de explicá-la inteiramente.

A campanha de rua foi curta, com peso diferente daquelas a que assistimos nas últimas décadas, as inserções e os debates da TV seguiram o mesmo compasso, mais discretos que em outros anos, dando mais lugar às redes sociais. Estas, por sua vez, ainda que não tenham superado a televisão como a principal fonte de informação do eleitor, firmaram-se mais ainda, desde que amplamente utilizada em 2018, como espaço privilegiado de disputa política. Hoje, não existe comitê de campanha, partido ou liderança política que não as considere como peça fundamental. Curiosamente, se de um lado a campanha de 2022 escapa na forma de padrões observados nas últimas décadas, seu conteúdo é nosso velho conhecido.

Na reta final, está claro hoje que a disputa está dividida, de um lado, entre velhas heranças do nosso passado autoritário, ainda incrustadas nas instituições e nos atores sociais, e de outro, grupos que têm resistido a este reacionarismo e que procuram defender os pactos estabelecidos na sociedade do Brasil pós-1988. A eleição de 2022 trouxe para o debate público alguns dilemas e questões que julgávamos superados, mas que estavam latentes por aí. A dois dias da votação, já não se pode mais ignorar o peso do autoritarismo social e da herança deixada pelos regimes autoritários. Alguns sinais que fingíamos não ver, mas que se fizeram presentes nas últimas décadas, tiveram a oportunidade de mostrar o quanto ainda seguem vivos.

O processo de transição democrática buscou pouco a pouco incorporar uma nova agenda de direitos e deveres das instituições no país. Com a promulgação da Constituição de 1988, que restituiu a normalidade democrática à sociedade brasileira, criaram-se instrumentos legais de defesa dos civis contra o arbítrio do Estado, assim como se buscou limitar a ação de agências encarregadas de controle repressivo para dentro dos limites da legalidade.

Entretanto, os últimos anos despertaram um Brasil reativo e desgostoso dessas mudanças civilizatórias, e as forças ultraconservadoras (reacionárias), anteriormente desorganizadas e sem liderança, conseguiram, em curto espaço de tempo, reacender não só o autoritarismo das instituições, mas também o reacionarismo de grupos da sociedade, desnudando de vez certos traços da cultura política brasileira que se mostravam mais tímidos em outras épocas. No meio da tensão entre o velho Brasil e o do pós-88, vimos nesses últimos anos uma escalada de diferentes formas de violência, desde a doméstica, chegando à religiosa e à política, esta última, crescente e estimulada pelo discurso agressivo do atual presidente. A violência política, portanto, passou a ser uma triste marca desses últimos anos, contribuindo para a construção de um sentimento coletivo de insegurança ao mesmo tempo em que atraía vozes favoráveis a uma intervenção autoritária no controle da ordem pública como solução dos conflitos políticos.

De maneira não prevista, esses últimos anos também mostraram que continuam intocadas algumas estruturas do regime autoritário no nosso tecido social que hoje se opõem e resistem com naturalidade às mudanças institucionais construídas a partir da redemocratização. A exemplo disso, vemos uma série de acontecimentos que envolvem tanto as forças policiais no exercício de suas funções quanto agentes do sistema judiciário. Em muitos deles, o que se faz presente é um esforço de desconstruir conquistas sociais. Infelizmente, é a persistência desses padrões típicos de um Brasil autoritário que tem afetado negativamente a reconstrução democrática que achávamos ter sido alcançada no pós-1988, por mais avanços que tenhamos conquistado nesse período.

Penso que é nesse lugar da História que nos encontramos hoje, entre o desafio de lidar com nossa herança autoritária e a retomada do caminho em direção a uma estabilidade democrática. Acredito que a retomada pode se dar antes que os confrontos entre forças conservadoras e forças “progressistas” se tornem ainda mais manifestos e explosivos do que já vimos. Ainda há tempo. Por fim, cabe a cada um decidir o caminho que espera do Brasil para as próximas décadas. Agora é com vocês, eleitores.

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