Caso Twitter: O uso da poison pill

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No dia 25 de abril de 2022, o conselho de administração do Twitter aceitou a oferta apresentada por Elon Musk para aquisição da rede social. De lá para cá, muitos desdobramentos da operação ocorreram, culminando no anúncio por Musk, em 8 de julho, de que havia desistido do acordo por suposto descumprimento de obrigações contratuais pelo Twitter no que se refere à apresentação de informações sobre o número real de contas falsas e spam na rede.

Entretanto, no que tange aos aspectos de governança da operação, é interessante observar que a aprovação da aquisição hostil ocorreu em momento posterior à utilização, pelos acionistas que anteriormente controlavam o Twitter, de um mecanismo denominado poison pill.

Afinal, o que é poison pill? A expressão deve ser traduzida literalmente como “pílula de veneno”. Originado no mercado de capitais e de M&A dos Estados Unidos, trata-se de um mecanismo estruturado no estatuto social ou acordo de acionistas da companhia, com o objetivo de proteger os acionistas minoritários na hipótese de uma aquisição hostil.

Nesse sentido, é importante esclarecer que a aquisição hostil não deve ser compreendida como uma agressão, no sentido literal da palavra, mas sim como uma potencial compra de participação societária relevante sem negociação compatível com a aquisição do controle de uma companhia. Portanto, o uso da poison pill surge como um obstáculo a esses movimentos de mercado.

A estratégia, que começou a ser empregada no mercado financeiro dos Estados Unidos na década de 1980 e possui diferentes modalidades, funciona através do aumento do número de ações ofertadas por uma empresa, reduzindo os seus preços e diluindo a participação do comprador indesejado. No Brasil, esse mecanismo costuma assumir uma forma diferente.

A fatia de ações que funciona como “gatilho” da poison pill deve ser estabelecida formalmente pelo estatuto social ou pelo acordo de acionistas da companhia e, quando atingida, pode fazer com que o investidor seja obrigado a prosseguir com uma oferta pública de ações (OPA), além de diversas outras obrigações conforme cada caso. Tendo em vista que essas ofertas costumam pressupor que o investidor irá oferecer um prêmio em relação ao valor de mercado da empresa, a operação se torna desvantajosa, vindo daí a sua denominação.

Em análise do caso do Twitter, o acordo promulgado pelo conselho de administração determinou que, a partir da data de aceite da oferta, os acionistas poderiam comprar um milésimo de ação preferencial para cada ação ordinária que possuam, caso qualquer pessoa ou grupo de investidores adquiram participação societária na companhia de 15% ou mais sem a aprovação prévia do Conselho.

O mecanismo concede, ainda, os mesmos direitos de voto de uma ação ordinária às ações preferenciais adquiridas pelos minoritários. Dessa forma, os acionistas que já integram o quadro acionário passam a deter mais poder de voto e a aquisição do controle por um único investidor torna-se mais difícil.

No caso específico do Twitter, a poison pill seria automaticamente ativada caso a proposta de aquisição por Elon Musk não fosse aprovada pelo conselho de administração. Considerando a aprovação da proposta, podemos concluir que o mecanismo foi implementado pelo conselho justamente para impulsionar a apresentação de maiores detalhes da operação aos seus membros que, após a análise dos valores propostos e formas de financiamento, prosseguiram com a sua respectiva aprovação.

Após o anúncio da desistência de Musk, as ações da empresa recuavam cerca de 7%, negociadas a pouco mais de US$ 34. Mesmo antes do anúncio, em 8 de julho, já eram negociadas a US$ 36,81 – 32% abaixo da oferta de US$ 54,20 feita por Musk. Numa primeira análise, tal desvalorização não impacta o mecanismo da poison pill em si, uma vez que a operação já estava aprovada pelo conselho de administração, mas possivelmente acarretará outros impactos financeiros para os acionistas da companhia, no que se refere a avaliações e valor de mercado.

No dia 12, o Twitter ingressou com ação judicial contra Musk no Tribunal de Chancelaria de Delaware, nos Estados Unidos, pleiteando a conclusão da aquisição de US$ 44 bilhões. Segundo a agência de notícias AP News, que teve acesso à petição inicial do processo, a plataforma diz que “Musk se recusa a honrar suas obrigações para com o Twitter e seus acionistas porque o acordo que ele assinou não serve mais aos seus interesses pessoais”[1]. Tudo indica que o embate será complexo e certamente motivará alterações na dinâmica de governança e proteção aos acionistas minoritários do Twitter.

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