Combate à corrupção no Brasil: atualizações normativas em 2022

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O ano de 2022 foi marcado por incertezas asseveradas por uma guerra e por acirradas disputas políticas. Incertezas essas que, dentre outros temas, suscitaram questionamentos acerca do estágio atual e futuro do combate à corrupção no Brasil.

Se por um lado a extinção das forças-tarefas no Ministério Público Federal e a decretação do fim da Comissão Permanente de Assessoramento para Acordos de Leniência e Colaboração da 5ª Câmara de Combate à Corrupção podem trazer a falsa percepção de que a luta contra a corrupção no país perdeu fôlego ao longo de 2022, por outro é cada vez mais reconhecido o risco do “custo reputacional” pelas empresas e executivos, bem como mais ativas e qualificadas têm se mostrado as autoridades administrativas que atuam nesse esforço.

De fato, alguns retrocessos institucionais e legislativos podem ser identificados. Eles constam do relatório da Transparência Internacional entregue ao Grupo de Trabalho Antissuborno da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Dentre os quais, certos pontos da reforma da Lei de Improbidade Administrativa, a falta de transparência no processo legislativo nacional e o enfraquecimento de alguns órgãos voltados ao combate à corrupção, com destaque para o Ministério Público Federal.

Em nossa visão, este declínio no enforcement do Judiciário é uma fase que será naturalmente revertida, já que se evidenciam melhorias e a ampliação da agenda anticorrupção internacional e na esfera administrativa brasileira.

Nesse sentido, o ano de 2022 registrou avanços importantes na publicação e na implementação de novas normativas, bem como na efetiva apuração de atos de lesivos à administração pública federal.

O Decreto 11.129 publicado em 18 de julho de 2022, por exemplo, passou a regulamentar a Lei Anticorrupção de 2013, substituindo o antigo Decreto 8.420/15 e estabelecendo um marco na consolidação dos principais aprendizados e no amadurecimento do processo pela Controladoria Geral da União (CGU) em quase uma década de vigência e aplicação daquela lei.

Algumas das principais alterações desta nova regulamentação dizem respeito (i) ao procedimento para condução das investigações preliminares no âmbito do Procedimento Administrativo de Responsabilização (PAR), (ii) à dosimetria das multas previstas na Lei Anticorrupção e na metodologia para cálculo da vantagem auferida, (iii) aos requisitos para celebração e previsão sobre determinadas obrigações dos acordos de leniência; e (iv) aos critérios para avaliação de programas de integridade e aumento de benefícios à entidade que os adote.

Apenas a título elucidativo, de acordo com as informações disponíveis na plataforma Dados Abertos da CGU,  o aumento do número de PARs instaurados somente pela CGU para a responsabilização de entes privados aumentou em aproximadamente 50% em 2022, ou seja, saltou de 185 para 269 PARs até novembro. A expectativa é de que, em 2023, a CGU continue fortalecendo a sua atuação fiscalizadora e sancionatória, bem como os demais órgãos da administração pública que têm competência para responsabilizar entes privados e aplicar a Lei Anticorrupção, como as corregedorias de diversos ministérios e o Comitê de Integridade da Petrobras, que seguem ativos, tendo sua atuação unificada e padronizada a partir do esforço da CGU de disseminar melhores práticas e a troca de experiências entre esses órgãos.

Além disso, o Decreto 11.129/22 trouxe maior segurança jurídica ao prever expressamente determinadas práticas já adotadas pelas autoridades na negociação de acordos de leniência com base na Lei Anticorrupção. Destacam-se, nesse sentido, a possibilidade de compensação de valores relativos aos mesmos fatos (art. 45), a vedação ao compartilhamento de informações obtidas em acordos de leniência com outras autoridades para sancionar o colaborador (art. 48, §2º), a possibilidade (excepcional) de repactuação do acordo em determinadas circunstâncias (art. 54) e a eficácia imediata (a partir da assinatura do acordo) de determinados benefícios nele previstos (tais como a isenção da proibição de receber incentivos, prevista no art. 50).

Digno de nota é também a Portaria Normativa CGU nº 19, que disciplina o julgamento antecipado do mérito nos PARs. Alternativa de solução antecipada do processo, com características semelhantes à leniência, concede atenuantes com relação à multa e às sanções impeditivas de contratar com o poder público à pessoa jurídica que admitir a responsabilidade pela prática dos atos em violação à Lei Anticorrupção. A nossa experiência demonstra que o julgamento antecipado se mostra um mecanismo prático, simples e oportuno às empresas e entidades dispostas a resolver as consequências administrativas de eventuais atos ilícitos à administração pública praticados, do mesmo modo que é um exemplo da disposição da CGU de dar crédito a pessoas jurídicas que, efetivamente, investiram na virada de página e na implementação de mecanismos de integridade.

Em 2022, verificou-se, pois, protagonismo da CGU no ambiente de integridade brasileiro que é internacionalmente reconhecido, seja pela regulamentação dos conflitos de interesses de agentes públicos, pela plataforma Dados Abertos recém-atualizada, pelos inúmeros materiais de referência acessíveis a qualquer pessoa – conforme determinam as melhores práticas internacionais, consolidadas pela OCDE.

O cenário jurídico brasileiro é dos mais complexos. Todavia, as autoridades se mostram cada vez mais preparadas para perseguir a corrupção, a lavagem de dinheiro e infrações correlatas, razão pela qual investimentos em medidas de integridade pelos entes privados mantêm-se como estratégia eficaz de prevenção e mitigação de riscos legais e reputacionais.

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