Crédito de carbono tokenizado

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Não há dúvidas de que, atualmente, as duas bolas da vez são a tokenização e os créditos de carbono. A primeira é recente, surgindo nesta última década com a tecnologia blockchain. O segundo, bem mais antigo, existe há pelo menos três décadas. No entanto, a junção dos dois é a nova – e última – aposta do mercado voluntário de carbono, ainda que não unânime, uma vez que há forte resistência dos players tradicionais ao uso de blockchain para tokenizar os créditos de carbono.

A bem da verdade, o mercado de carbono ainda é conservador e vem operando artesanalmente, com análise e verificação de projeto a projeto, sendo a tokenização a revolução tão desejada deste mercado.

Com o aumento recente dos compromissos Net Zero da iniciativa privada, houve uma grande procura por créditos de carbono no mercado voluntário nos últimos anos. No ano passado, esse mercado movimentou US$ 2 bilhões e a projeção da consultoria McKinsey é de alcançar US$ 50 bilhões em 2030. O Brasil, segundo a consultoria, possui 15% do potencial global de geração de créditos por soluções naturais ou 1,9 bilhão de toneladas de CO2 – não à toa é chamado de Arábia Saudita dos créditos de carbono. A estimativa é que 78% dessa geração virá de projetos ligados à restauração florestal, 11% de preservação da cobertura florestal, 9% de agricultura e 2% de energia proveniente do processamento de resíduos.

Por outro lado, esta grande exposição tornou as fragilidades deste mercado ainda mais evidentes, como a pouca ou nenhuma visibilidade dos preços envolvidos de compra e venda, a qualidade técnica e jurídica de alguns projetos, sem contar os velhos receios de dupla contagem dos créditos.

Nesta condição, aos investidores cabe ter cuidado para verificar a origem do crédito, identificar os melhores projetos para compreender o que estão comprando e, claro, realizar uma due diligence antes da operação.

Por isso, nesta nova era da web 3.0, a blockchain aparece com uma solução quase óbvia, o que trouxe uma nova tendência para esse mercado: a tokenização. Tokens são a representação digital de um ativo físico na blockchain. A rede blockchain é um sistema virtual que garante o registro e permite rastrear as informações inseridas ali.

Noutra via há os créditos de carbono, certificados que comprovam que a atividade de uma empresa ou de um projeto de conservação ambiental, como a preservação de florestas ou de energia renovável, evitou a emissão de 1 tonelada de dióxido de carbono ou gás carbônico (CO2) em determinado ano.

Portanto, em um cenário em que os créditos de carbono já são instrumentos complexos – ativos que representam a emissão evitada de uma tonelada de algo que não se vê (os gases de efeito estufa) – e no qual muitos sequer acreditam na existência das mudanças climáticas, a tokenização ou a digitalização dos certificados em redes blockchain, nas quais esses ativos poderão ser fracionados e oferecidos às pessoas de forma segura e transparente, democratizarão o acesso a este mercado e proporcionarão maior engajamento dos players.

Percebe-se, portanto, que a tecnologia blockchain traz inúmeros benefícios para o mercado voluntário de carbono, como liquidez dos ativos, segurança com a rastreabilidade, divisão dos créditos em frações menores e escalabilidade do modelo de negócio.

Além disso, permite que os créditos de carbono comercializados em bolsas regionais e geralmente em uma quantidade mínima de aquisição poderão ser oportunizados a investidores de varejo, não estando mais restritos aos grandes investidores, e disponibilizados em bolsas globais, aspecto diretamente vinculado à pretensão do Acordo do Clima de Paris de consolidar uma oferta global dos mercados de carbono. Eles atualmente são fragmentados, uma vez que a tokenização facilita o movimento transfronteiriço de créditos de carbono, enquanto a interoperabilidade dos protocolos de blockchain permitirá que tokens produzidos em diferentes países sejam facilmente negociados.

Em relação à rastreabilidade, a emissão de créditos de carbono tokenizados via blockchain resolve um dos principais problemas do mercado: os créditos fraudulentos alocados em projetos inexistentes que passariam a ter uma fonte de origem transparente (vulgarmente conhecida como “fonte de verdade”), verificada e rastreável e que quando conectados a sensores de IoT (Internet of Things) viabilizam a vinculação entre os impactos ambientais dos projetos e os respectivos créditos de carbono.

Outra possibilidade associada aos créditos tokenizados é financiar projetos que efetivamente removam GEE da atmosfera. Embora a maioria dos certificados de carbono hoje sejam provenientes de projetos de prevenção, é cada vez mais importante para o combate à emergência climática foque em projetos de remoção que requerem, já na largada, grande financiamento em troca de créditos futuros. Este formato, atualmente, representa grandes riscos aos investidores, como encontrar ou apresentar falhas do projeto, a ocorrência de desastres naturais etc.

Outro aspecto de risco, considerando que os contratos de compra e venda de créditos, geralmente, são bilaterais, há falta de transparência nos preços e volumes envolvidos.

Adicionalmente, dada a ausência de taxonomia de abordagens e metodologias dos projetos, é possível encontrar projetos que apresentem benefícios de adicionalidade socioeconômicos ou de biodiversidade que muitas vezes estão precificados no crédito.

Toda essa imprevisibilidade torna extremamente complexo que os projetos possam prever ganhos futuros e, assim, operar um modelo de negócio escalável e financiável.

Desta forma, além da transparência aprimorada, da imutabilidade dos registros e dos custos de transação mais baixos, o fornecimento de liquidez é um dos principais benefícios que os créditos futuros baseados em blockchain podem oferecer, aspecto que modificará a forma como novos projetos serão financiados e potencializará os mecanismos financeiros descentralizados, a realização da due diligence e a avaliação de risco de projetos, sem contar o monitoramento digital contínuo.

Portanto, ainda que a Verra, a maior standard certificadora de créditos de carbono do mundo, esteja em processo de investigação dos créditos tokenizados, parece-me se tratar de um retrocesso cogitar aboli-los, tendo em vista que são um aliado altamente eficaz no combate ao greenwashing e uma nova fonte de financiamento para o mercado brasileiro que pretende neutralizar as suas emissões.

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