Em busca do futuro

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Em meus 40 anos como economista, raramente vi uma situação de tanta incerteza sobre o futuro, e mesmo sobre a aspiração das sociedades para as suas próximas gerações. Três exemplos me chamam a atenção.

Por décadas, o “projeto de futuro” da China passa por um crescimento contínuo da qualidade de vida de sua população, liderando e exportando novas tecnologias. Grande parte desse objetivo foi suprida por superávits comerciais, que chegaram a representar mais de 8,6% do PIB em 2007 e que justificaram grandes investimentos em infraestrutura, logística e capacidade produtiva. Desde a crise de 2009, a participação do comércio internacional sobre o PIB vem caindo sistematicamente. E o país vem enfrentando as ameaças ao seu crescimento com mais investimentos em construção civil, com esquemas de crédito voltados para municipalidades e para indivíduos.

Com isso, criou-se uma armadilha: enquanto os arranha-céus vão subindo, a capacidade de honrar dívidas se mantém. Com a desaceleração do crescimento, surge uma ameaça de crise de calotes no pagamento de hipotecas e outras dívidas relacionadas. E o governo chinês somente consegue dobrar a aposta — por exemplo, com o recente pacote de estímulo de quase US$ 150 bilhões voltado especialmente para investimentos em construção.

Até recentemente, lideranças chinesas viam na descarbonização uma das possíveis soluções para sair desse dilema. Afinal, investir em uma transição para uma economia de baixo carbono requer grandes investimentos e avanços tecnológicos e, de quebra, poderia consolidar a liderança chinesa na exportação de “tecnologia verde”, ajudando com os seus objetivos de contínua expansão no comércio internacional. Tudo leva a crer que essa estratégia poderá ser recalibrada, mas não mudará substancialmente de rumo.

Se a China está em uma encruzilhada na redefinição do seu modelo de crescimento e desenvolvimento, nos Estados Unidos a situação também é delicada. O “América está de volta” de Biden procurou redesenhar o modelo de desenvolvimento em torno do enfrentamento de dois dos maiores desafios modernos: a desigualdade e a emergência climática. Biden ainda utiliza parte do discurso trumpista contra a China, mas claramente também vê na descarbonização a saída de longo prazo para o futuro do “sonho americano”. Implementar essa visão não tem sido fácil, dada a enorme resistência. E a invasão da Ucrânia colocou ainda mais areia nesses planos. Mas não o enterrou, como se viu com a aprovação do plano que o maior investimento de todos os tempos para combater as mudanças climáticas, com US$ 375 bilhões ao longo da década.

Já a Europa parece viver seu inferno astral — quase literalmente, porque vem sofrendo com a maior seca dos últimos 500 anos, escassez de água e incêndios florestais. Mais do que qualquer outra região, suas principais economias fizeram apostas importantes na descarbonização nos setores de energia, transporte e construção. Porém, a guerra está causando uma enorme emergência energética, e desalento frente à percepção de que a guerra não terminará tão cedo e de que aumentam os riscos de erros catastróficos, gerando sinais de desespero. Por exemplo, a Alemanha, um país que abraça a transição para uma economia de baixo carbono, se prepara para religar usinas de carvão com apoio de um ministro da Economia oriundo do partido Verdes.

Apesar desses retrocessos, a emergência climática já se vê a olhos nus e pode ser mensurada. A agência europeia de meio ambiente (EEA), por exemplo, estimou que nos últimos 40 anos as perdas econômicas com eventos climáticos extremos na Europa foram de cerca de € 487 bilhões.

Também a China vem sofrendo com secas sem precedentes, que, inclusive, já afetam a capacidade de produção de grandes companhias, a capacidade de transporte por meio de rios e a produção agrícola. Por isso, as autoridades locais já começam a tomar medidas de emergência, entre outras induzir chuva

Nos Estados Unidos, de acordo com o NOAA, somente em 2021 houve 20 eventos climáticos extremos. O custo total desses eventos do ano passado foi de US$ 152,6 bilhões (até junho de 2022) e foi o terceiro ano mais caro já registrado, atrás de 2017 e 2005. Por isso, creio, somente tendem a aumentar nos próximos anos as pressões — da sociedade, dos investidores e das finanças — pela descarbonização. Essas pressões, por sua vez, geraram novas ondas de inovações tecnológicas e financeiras que pavimentarão o futuro.

E o Brasil com isto?

Recentemente, um estudo da CNI afirmou que “temos todas as condições para ser protagonista no processo de descarbonização da economia no mundo através de tecnologias limpas como o hidrogênio verde”. Essa é só mais uma evidência de que, como venho relatando nesta coluna, uma agenda de desenvolvimento em torno da descarbonização e da transição energética pode nos ajudar a sair desta armadilha de baixo investimento, perda de dinamismo econômico, alto desemprego e miséria.

Em relação às experiências internacionais, mesmo com as evidentes vantagens competitivas para ser uma “potência verde”, o Brasil entrou muito atrasado nessa agenda. Apesar de presente no programa de governos de alguns dos candidatos à Presidência, e muitos candidatos aos governos estaduais, a questão climática continua a ser tratada de maneira superficial e com pouca conexão com outros temas.

Isso preocupa. Afinal, se as experiências relatadas acima valem, estabelecer uma agenda para o futuro depende de liderança, capacidade de articulação de instrumentos e alinhamento de capacidades para a criação e implementação de projetos. Requer também a capacidade de alinhar políticas públicas e privadas em torno de um caminho comum, para permitir a criação e financiamento de pacotes significativos de investimento. Tudo isso requer tempo que o Brasil não pode mais esperar. Que 2023 seja o ano que aceleremos a nossa busca por um futuro mais próspero e mais verde.

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