Inclusão social via Pix

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Ao longo dos últimos dois anos tenho investigado o efeito, infelizmente, excludente das revoluções industriais – aí incluída a revolução digital. O mais absurdo na minha pesquisa foi comparar o potencial disruptivo, atomizador e adaptativo de tecnologias cada dia mais baratas com a sua aplicação prática segregadora, que prioriza inovações das quais não precisamos e de cuja utilidade, ou necessidade precisamos ser convencidos.

O lado animador da pesquisa tem sido encontrar exemplos de efeitos inclusivos, em geral não projetados por quem inventou a tecnologia, ou por quem a colocou no mercado. O exemplo mais atual é o Pix, adaptado pelo Banco Central à realidade brasileira. Apesar de pensado para elevar a liquidez do comerciante e trazer uma alternativa competitiva ao cartão de crédito, a tecnologia tem um efeito não intencional sobre a inclusão social. Pelas suas características, o Pix corrige, em parte, um dos efeitos mais nefastos de outra invenção do mercado financeiro, o cartão de crédito.

O cartão de crédito é, de fato, uma grande comodidade e, para pessoas que nunca tiveram por hábito levar dinheiro na carteira, uma dádiva. Ele também beneficia todas as pessoas que poderiam ser vítimas de furtos, além de elevar o custo de oportunidade para assaltantes. Eu poderia passar a tarde citando exemplos de benefícios trazidos pelo cartão de crédito, inclusive como forma de rastrear dinheiro e coibir a lavagem de dinheiro – mas este artigo não é sobre isso, não é sobre o efeito das tecnologias para quem tem dinheiro. Muito pelo contrário, o meu objetivo é apresentar os seus efeitos, ainda que residuais, ou inesperados, para aqueles para os quais a tecnologia não foi pensada.

Sob esse ponto de vista, o cartão é a desculpa conveniente de um possível doador para não dar dinheiro a quem pede. Quantos de nós, falsa, ou verdadeiramente, não deixou de doar uma quantia baixa alegando que só tinha cartão? E quantos de nós não pensou, justamente, na sorte que era ter cartão, nessas horas? Fora o “benefício” de poder cortar toda a história do cidadão anunciando logo que só tem cartão.

Reconheço, não raro retirar a carteira para doar deixa de ser somente inconveniente para ser, também, perigoso. Mas, uma vez mais, o artigo é sobre uma minoria. Uma minoria que, em geral, aceitaria de bom grado que você oferecesse pagar o jantar, ou (um produto do) mercado para ela.

Mas é aí que entra o Pix. O Pix permite que aquele que precise de dinheiro apenas levante a sua placa, ou entregue o seu papelzinho com o pedido de ajuda, que é apenas o seu número de telefone, Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), código de barra, ou qualquer outro fácil identificador hábil para realizar a transferência instantânea. E, melhor, sem pagar tarifa bancária por isso. Ou seja, Pix é prático para quem pede.

O Pix permite evitar o tal “incômodo”, porque o pedido pode ser silencioso. Evita a desculpa de que não tem o “trocado” à mão, especialmente quando se está ao sinal de trânsito. Elimina o argumento de que não é seguro retirar a carteira na rua. Com o Pix, o cidadão bem-intencionado pode doar mais tarde, em casa, e até doar de forma recorrente, criando uma mesada. E, claro, pode compartilhar com conhecidos os dados do donatário que lhe tenha tocado de uma forma especial, criando uma rede de apoio. Em outras palavras, o Pix também é prático para quem doa e tem efeito multiplicador.

E para quem argumenta que o Pix tem a sua grande limitação na necessidade de bancarizar a população, eu retruco que esse é outro dos seus grandes benefícios. Diante da possibilidade de abrir contas populares que não exigem a contratação de nenhum pacote de serviços, a bancarização gera maior segurança e maior inclusão social, em mundo no qual, segundo a minha experiência pessoal, nem o cobrador de ônibus costuma ter troco. Finalmente, o Pix cria espaço para uma solução bem brasileira: em razão da gratuidade da operação, é possível usar a ferramenta para se comunicar e criar laços.

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