Legal Experience: o UX que pauta a jornada do cliente interno no Jurídico

  • por

A aplicação do UX (User Experience[1]) no mundo jurídico, o que chamamos neste artigo de Legal Experience (ou LX), é mais um exemplo de como tornar os serviços jurídicos acessíveis e inteligíveis pelo usuário. O LX inaugura uma “nova era” de experiência do usuário onde processos, soluções e procedimentos são construídos para facilitar a vida do destinatário dos serviços jurídicos, desassociando o aplicador do Direito à imagem de burocracia, complicação, lentidão e do erudito juridiquês. Uma boa percepção de LX é sinal de sucesso nas atividades jurídicas, pois LX é sobre pessoas.

Quando você liga para um 0800 para reclamar de um serviço no SAC, você já pega o telefone esperando demorar ou um atendimento abaixo do esperado? Se sim, você criou um modelo mental para essa situação. Segundo a Karina Tronkos[2], especialista em UX Design, “os modelos mentais nos ajudam a não ter que descobrir as coisas do zero toda vez que temos uma nova experiência”. A reflexão que aqui se busca é: qual será o modelo mental que o cliente do Jurídico possui antes de acessar os seus serviços? Você já se perguntou sobre isso?

Um ponto de atenção aqui é: que cada modelo mental é único. Ainda que exista um padrão (ou um pré-conceito – depende da visão), todos nós temos experiências e percepções individuais. Como comenta a Karina, “as pessoas prestam atenção em coisas diferentes, têm diferentes níveis de conforto e requisitos variados. Assim, para determinar os modelos mentais existentes dos seus usuários e como eles esperam ter uma percepção sobre seu produto ou serviço… Pesquise e teste com as pessoas.”.

Por lógica, se um modelo mental representa o processo de pensamento de uma pessoa sobre como algo funciona, é natural que o nosso conhecimento e vivências prévias afetem, de maneira significativa, como interagimos. Assim, refletimos: antes de atender um cliente, é comum, um advogado ou um profissional de Legal Ops se perguntar qual é a expectativa do cliente? Estipular um nível de satisfação ou de experiência que aquele atendimento deve proporcionar? Antes de responder, exercitamos a empatia e nos colocamos no lugar do cliente, agindo como gostaríamos caso fossemos nós a receber aquele atendimento?

Falar sobre a experiência do usuário nos remete a outra importante ferramenta de igual relevância e que deve ser acessada pelos profissionais jurídicos inovadores. O Legal Design Thinking, abordagem de design utilizada para solucionar as dores do Direito, uma metodologia que torna os produtos e os serviços mais acessíveis e democráticos. Nas palavras de Thaís G. Pascoaloto Venturi[3], é uma “ferramenta de reinvenção dos modelos de atuação dos operadores do sistema de justiça, no intuito da prevenção ou resolução de conflitos a partir de métodos de design centrados no ser humano, criando soluções inovadoras para problemas complexos, e tornando os serviços jurídicos mais acessíveis e envolventes.”

Como a ideia desse texto não é ser mais um artigo sobre Visual Law e como melhorar os documentos jurídicos – mas sim trazer uma visão holística sobre o Design nas diversas aplicações no ambiente corporativo e na jornada do cliente interno de um departamento jurídico… Não iremos recomendar ter um time composto de designers, com o único propósito de realizar alterações em toda a sua estrutura de minutário ou redesenhar a interface do seu bom e velho sistema de contencioso. Também não é nosso objetivo propor sobrecarregar a equipe inventando mais trabalho sem um objetivo definido. A ideia aqui é reforçar que uma experiência jurídica positiva – a qual chamamos de LX -, algo que perpassa pela experiência do usuário. É a experiência do cliente, aquele que é a razão de existirmos enquanto função, aquele que lutamos para entregar resultados consistentes e que conta com nossa visão estratégica para ajudá-lo a atingir suas metas.

Chamamos a atenção para algo basilar, mas muitas vezes esquecido: é preciso entender as necessidades dos seus clientes, quaisquer que sejam eles. O que ele considera fundamental? Como o Jurídico pode ajudá-lo nas atividades cotidianas? Quais são suas sugestões para que o Jurídico seja visto como um efetivo parceiro de negócios? Pensamos que todos esses questionamentos passam por uma grande e ampla resposta: fornecer informações claras e acessíveis pode ser a chave para estabelecer relações de confiança e atingir o verdadeiro sucesso com as partes envolvidas.

Qualquer Departamento Jurídico possui diversas frentes de atuação – não importa o segmento econômico da empresa a qual ele pertence. Algo em comum entre eles é o desafio de conseguir mapear os gargalos a serem sanados e elencar as prioridades, uma ação que precisa ser feita todo o ano, ainda mais em um cenário turbulento em que as organizações são afetadas pela oscilação do Risco Brasil e o redimensionamento de estratégia de investimentos[4]

Voltemos ao ponto central no qual gostaríamos de discorrer, a experiência do cliente interno, o usuário-destinatário dos serviços jurídicos. Ao criar soluções efetivas e agradáveis para os usuário, considerar fatores como usabilidade, acessibilidade, estética e usabilidade é primordial. Portanto, use (e abuse) de discussões sobre a compressão do usuário, bem como não poupe exercício da criatividade como comportamento para a inovação fazer parte do processo, por meio de atividades colaborativas e pautadas na comunicação. Abaixo, compartilhamos boas práticas para realização de uma jornada de excelência, que pode ajudar na reflexão das iniciativas de um time de alta performance:

Metodologia: A utilização de uma abordagem centrada no usuário pode ajudar a identificar as necessidades, desafios e pontos de dor dos clientes, tornando mais eficaz a criação de soluções personalizadas para atender às necessidades específicas. Tudo isso para reforçar que a aplicação de metodologias de UX pode ajudar a melhorar a usabilidade e a eficácia de serviços e softwares jurídicos, tornando-os mais acessíveis e fáceis de usar para os usuários. Lembre-se: o usuário não é advogado e, para trabalhar o modelo mental, torne a LX ainda mais agradável.
Boas perguntas: Fazer boas perguntas em entrevistas com usuários é uma parte essencial da metodologia, pois ajuda a entender as necessidades, desejos e desafios dos usuários. Sem fazer as perguntas certas, é passível de correr o risco de criar soluções que não atendem às necessidades dos clientes, tornando a solução inútil ou difícil de usar. Apesar do clichê no mercado corporativo, vale reforçar que o principal é se atentar às dores e não às soluções. Fazemos ainda duas reflexões: quando o jurídico questionou e levou em conta a opinião dos usuários sobre os sistemas que eles utilizam diretamente (como assinador de contratos, o CLM ou o sistema de consultas)? Quantos cliques são necessários para fazer uma simples ação nesses sistemas?
Identificação de stakeholders: Não adianta fazer as perguntas certas para as pessoas erradas. Uma parte extremamente importante desse processo é entender quem é o seu público (clientes internos, externos ou o jurídico em si). É isso que vai garantir que as necessidades e desafios de todas as partes interessadas sejam levadas em consideração durante o procedimento. Isso versa diretamente com o vocabulário utilizado. Fugir do juridiquês para os stakeholders não jurídicos é fundamental – e toda a Legal Experience cada vez melhor. Precisamos fazer com que as pessoas sintam confiança e tranquilidade em acessar o Jurídico (e não medo, tédio ou apreensão).
Mapeamento de processos internos: Etapa fundamental para ajudar a identificar oportunidades de melhoria nos fluxos de trabalho existentes, identificando os pontos de dor na atual operação. Os riscos de pular essa etapa podem ser: (i) falta de alinhamento e colaboração entre times cruzados; (ii) desenvolvimento de soluções inadequadas; (iii) criação de fluxos complexos. Uma eficiente LX começa pelo planejamento.
Definição de próximos passos: Ao entender a metodologia, saber elaborar boas perguntas para o público certo e ter os processos internos mapeados… É hora de utilizar os resultados para (i) sintetizar as descobertas; (ii) priorizar as necessidades; (iii) definir as soluções; (iv) testar; (v) implementar e acompanhar o sucesso. É importante ressaltar que boas decisões são sempre orientadas por dados – os dados aqui podem ser considerados os resultados dos esforços e pesquisas realizadas.

É necessário levar em consideração que a ineficiência e ineficácia se encontram, por  muitas vezes, em processos internos ruins. Traduzir o atual modus operandi para os sistemas só vai fazer um software escancarar, de forma tecnológica, algo que não funciona na prática. Velocidade e eficiência não estão necessariamente conectadas com tecnologia e gestão de softwares. A prova viva disso é que muitos times são extremamente bem assistidos por planilhas e processos automatizados que não envolvem tecnologias hipercomplexas[5].

Corroborando com o exposto acima, publicamos no JOTA, em parceria com membros do grupo DEPJUR-AB2L, um texto sobre ter o Jurídico como referência no atendimento aos clientes internos e cinco das doze ações pontuadas foram:

Entender as necessidades do cliente para definir as prioridades de forma conjunta, buscando a eficiência na atuação;
Observar os processos de ponta a ponta, conhecendo a operação e demonstrando que o jurídico está imerso no negócio, de modo que cada um na organização tenha um advogado para chamar de seu;
Tomar decisões com base em dados, sendo um verdadeiro jurídico data-driven;
Verificar os recursos internos e priorizar a utilização dos sistemas da empresa para facilitar a vida do usuário;
Simplificar a forma de atuação, dando abertura, clareza e aproximando os advogados da operação.

Com isso, constatamos que quando o mercado jurídico adotar uma abordagem centrada no usuário, o nível de eficiência, eficácia e satisfação do cliente subirá muito – impactando diretamente nos resultados do negócio. É a partir daqui que o Jurídico passa a ser associado à parceria de negócios, simplificação e agilidade.

Em síntese, a adoção de uma abordagem de UX customer-centric (aqui rebatizada de LX ou Legal Experience) pode ,e deve, ser vista como um investimento essencial para qualquer área que busca aprimorar seus serviços e sistemas jurídicos. Enquanto profissionais da área, devemos ter como compromisso atender as necessidades de nossos clientes, remediar as dores mapeadas e, sem dúvidas, tornar cada vez melhor a jornada, o contato e a experiência na utilização dos serviços que fornecemos.

[1] Experiência do Usuário, em tradução livre.

[2] Karina Tronkos é uma especialista em UI/UX Design. Influenciadora digital e criadora de conteúdo na área – principalmente pelo canal @ninatalks no Instagram, Karina foi vencedora por 5x do prêmio Apple Scholarship Winner e atualmente atua como mentora na Apple Developer Academy.

[3] Legal Design Thinking é um artigo de autoria de Thaís G. Pascoaloto, na coluna “Direito Privado no Common Law”, no qual recomendamos fortemente a leitura. Disponível em <https://www.migalhas.com.br/coluna/direito-privado-no-common-law/343332/o-legal-design-thinking>. Acesso em 10/04/2023.

[4] O Risco-Brasil é um indicador acompanhado por investidores e indica qual a chance de calote de um governo – mas também sinaliza problemas de confiança sobre o futuro e norteia os investimentos a serem realizados.Maiores detalhes disponíveis em https://forbes.com.br/forbes-money/2022/11/entenda-por-que-os-investidores-acompanham-o-risco-brasil/. Acesso em 22/02/2013.

[5] Descubra sobre as iniciativas Low-code/No code lendo esse textos simples e informativo: https://canaltech.com.br/mercado/o-que-sao-as-metodologias-low-code-e-no-code-205938/. Acesso em 22/02/2023.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *