Lula pode inaugurar Novíssima República?

  • por

O segundo turno da eleição presidencial mostrou que o antibolsonarismo é maior que o antipetismo. Na reta final da campanha, quis o destino que o presidente da República se tornasse presa dos mitos que tratou de estimular no poder: primeiro, com as notícias sobre a intenção do ministro Paulo Guedes em desindexar aposentadoria e salário mínimo. Depois, nos episódios de violência protagonizados por dois aliados insuspeitos do bolsonarismo, o ex-deputado federal Roberto Jefferson e a deputada federal Carla Zambelli.

Não será um retorno fácil do Partido dos Trabalhadores a Brasília. Entre o Brasil dizer que rejeita os quatro anos de Bolsonaro até validar o terceiro mandato de Lula, há uma avenida para percorrer e pouco tempo hábil. A preocupação no entorno petista é sobre como deslocar a empolgação popular construída pela narrativa da frente ampla democrática na montagem do novo governo. Mas, diante do pragmatismo que a política real impõe, o trajeto para que a nova administração cumpra o mote de reconstrução passa pela aproximação com o centrão, mais forte do que nunca em um Congresso majoritariamente de centro-direita.

Embarcado no projeto derrotado, o PP de Ciro Nogueira e Arthur Lira terá papel fundamental. A meta da legenda é manter o controle da Câmara pelos próximos dois anos, o que explica a pressa do presidente da Casa em reconhecer o resultado das urnas, antes mesmo do Tribunal Superior Eleitoral, perfilado ao lado de outras vozes importantes da bancada federal, como Ricardo Barros, líder do governo, e André Fufuca. A legenda também entra bem posicionada para a tarefa porque estará no comando da Casa Civil até dezembro, e pode trabalhar para facilitar a transição a despeito do desejo do chefe do Executivo.

Até porque Jair Bolsonaro perdeu, mas o bolsonarismo deu uma nova demonstração de força, e tem condições de liderar a frente de oposição lulista no xadrez legislativo. A face mais explícita dessa vitalidade está no PL de Valdemar Costa Neto. Inchado à reboque do presidente, a ala bolsonarista do partido tem fome de disputar o Senado em composição com o que restou do lavajatismo, enquanto quadros mais moderados se apressaram nas últimas horas para admitir um cenário de recondução de Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

É demonstração de que a dicotomia entre nova e velha política foi engolida pelo fisiologismo. A longo prazo, o antídoto esboçado por vozes lulistas para reduzir a  dependência do centrão passa pela refundação do centro programático. Em outras palavras, fortalecer siglas que ainda possuem densidade política, mas ao longo das eleições recentes diminuíram em capital eleitoral, como PSDB e MDB, é antes de tudo, uma reconciliação com a história.

Ao serem opositores na cena política desde a redemocratização, PT e PSDB polarizaram o debate sem que as convergências oriundas da base social democrata de ambos falassem mais alto que as divergências. O vácuo abriu caminho para o bolsonarismo. Da mesma forma, a pulverização partidária que alimenta os fiadores do orçamento secreto tratou de ser abastecida por uma escolha do próprio PT que, em 2003, escolheu compor com o então PR, hoje PL, para resistir à inevitável aproximação com o MDB.

A nova administração terá de conversar com todos se busca efetivamente reconciliar o país. Diferentemente de quando venceu pela primeira vez a disputa, a escolha de Geraldo Alckmin (PSB) e o protagonismo de mulheres como Simone Tebet (MDB) e Marina Silva (Rede) na reta final indicam que o PT compreende ser incapaz de cumprir a tarefa de acordo com a tradição hegemônica.

A chegada ao poder não deveria cegar essa compreensão porque, mais do que o sucesso do novo governo, o que está em jogo é a afirmação da política como solução de conflitos depois do lavajatismo e quatro anos de Jair Bolsonaro. Se der certo, olharemos para os dias de hoje como o início da Novíssima República, como definiu o ex-chanceler Celso Amorim.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *