O uso de parâmetros de conduta na jurisprudência do Cade

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Conhecidos pela literatura econômica e englobados na “Nova Organização Industrial Empírica”, os modelos de estimação de parâmetros de conduta surgiram a partir da contribuição de Bresnahan[1] e Lau[2] e passaram a ter um amplo desenvolvimento na academia. Como toda e qualquer modelagem, a necessidade de abstração e as escolhas intrínsecas do modelo fizeram com que estas estimativas apresentassem críticas na literatura, dentre as quais pode-se citar o trabalho de Corts[3] e Salvo[4].

No entanto, tais metodologias apresentam certa utilidade e seu reconhecimento na literatura acadêmica fez com que, algumas vezes, houvesse a extrapolação das barreiras acadêmicas e a apresentação destas estimativas nos processos do Cade. Em autos públicos, nota-se a ocorrência de sete processos que contam com esse tipo de análise, sendo cinco em processos administrativos e dois em atos de concentração.

Na literatura tradicional sobre o tema, inicia-se do equilíbrio de mercado – ou seja, da interseção entre oferta e demanda – que é o ponto que efetivamente existe. No entanto, este ponto não é informativo de forma isolada, exatamente pelo fato de não estar claro o que ocorre caso este seja modificado. Para modificá-lo, o que Bresnahan sugere é uma rotação na curva de demanda, e a partir dessa, a observação do que ocorre, de forma consequencial a esta mudança, na curva de oferta.

Assim, para valores em que há aumentos idênticos ao custo marginal, entende-se que o mercado é concorrencial, e para em que o aumento está acima deste, o mercado em questão apresenta uma menor concorrência. A modelagem de Panzar-Rosse[5], também tradicional nesta literatura, observa o que ocorre com a receita da firma a partir de uma mudança no custo, observando a sensibilidade (elasticidade) do aumento da receita a partir do aumento do custo. Caso essa estimativa seja igual à unidade, entende-se que o mercado é concorrencial, ao passo que valores inferiores indicam um mercado não concorrencial.

No processo 08700.001831/2014-27, é realizada a estimativa do parâmetro com base no modelo de Bresnahan para o mercado relevante do processo, que diz respeito ao produto querosene de aviação localizado no aeroporto de Guarulhos. Os resultados indicaram que o mercado em questão era concorrencial (ou seja, não houve a rejeição da hipótese nula que indicava a igualdade do parâmetro a zero). No caso em tela, em 2022 o tribunal do Cade entendeu pela condenação das empresas que atuavam neste mercado e eram representadas no processo administrativo.

Já no Ato de Concentração 08700.010688/2013-83 entre JBS, Rodopa e Forte, em que o mercado relevante era de gado bovino para abate, carne bovina in natura, carne bovina curada (charque), couro e sebo, no estado de São Paulo. Foi apresentado um estudo dos pesquisadores Lucille Golani e Rodrigo Moita, para o estado de São Paulo em um período de 1994 a 2008, em que o parâmetro de conduta mensurado apresenta diferentes valores, com elevações e reduções na série. O ato de concentração é aprovado com um acordo de controle de concentrações, em 2014, sendo que as condições não foram cumpridas, retornando o processo ao tribunal do Cade em 2016 e culminando com a desistência da operação pelas requerentes em 2017.

O Ato de Concentração 08012.009107/2007-71entre Hypermarcas e DM Indústria Farmacêutica Ltda. foi inicialmente impugnado, sendo que na sequência houve a apresentação de um estudo expondo as condições no mercado de adoçantes industrializados de mesa e nos segmentos de aspartame e sacarina/ciclamato, sendo que os resultados apontavam para uma alta competitividade do modelo. Houve a aprovação do ato de concentração sem restrições em 2008.

O Processo Administrativo 08012.004702/2004-77 diz respeito ao mercado de peróxido de hidrogênio no Brasil de 1995 a 2004, no contexto de um potencial cartel entre a Degussa e a Peróxidos do Brasil (grupo Solvay). Há a apresentação de um estudo para a mensuração dos efeitos líquidos do cartel, em que não foram encontrados efeitos colusivos. No entanto, o estudo falha em apontar algumas informações relevantes, como a base de dados (em termos temporais ou geográficos) e o software, bem como pela inexistência de testes de robustez, o que fez com que o relator, Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo, votasse pela condenação em 2012 no tribunal do Cade.

No Processo Administrativo 08012.003805/2004-10, que diz respeito à conduta unilateral da Ambev conhecida como “Tô Contigo”, há a apresentação de um parecer econômico de uma marca rival, que realiza uma primeira estimativa de cálculo do parâmetro de conduta, e uma resposta por parte da Ambev.

O parecer da marca rival, que ficou conhecido como “Parecer Schincariol”, apresenta uma divisão entre as diferentes embalagens (latas, garrafas), bem como distintos estabelecimentos (autosserviço e bares), para as diferentes regiões do Brasil encontrando a estimativa do parâmetro de conduta próximo de zero, ou seja, da concorrência perfeita. Para algumas regiões os valores foram negativos, o que fez com que os autores do estudo entendessem como se os resultados fossem de preço predatório. Ressalta-se que não há respaldo na literatura sobre o tema para esta afirmativa.

A Ambev responde, expondo que a estimação realizada no “Parecer Schincariol” apresenta viés positivo, o que fez com que os parâmetros estimados pelos autores fossem subestimados, bem como uma série de críticas sobre esta estimação. Em julho de 2009, a Ambev foi condenada pela prática, nos termos do voto de Fernando de Magalhães Furlan.

O Processo Administrativo 080012.006019/2002-11 diz respeito ao mercado relevante de distribuição de gás liquefeito de petróleo (GLP) no triângulo mineiro. As estimativas apresentaram tanto o modelo de Panzar-Rosse quanto de Breshanan-Lau para o período entre 2001 e 2005 para Uberlândia. Os resultados apresentados indicaram um parâmetro de conduta negativo, o que, entenderam os autores, evidencia a competição do mercado para além do mercado concorrencial. Em 2008, as representadas são condenadas pela prática pelo tribunal do Cade.

Por fim, o Processo Administrativo 08012.000677/1999-70, que traz como representadas companhias aéreas (TAM, Varig, Vasp e outras) atuantes naquele período no mercado aéreo brasileiro. O estudo apresentado realiza a estimação do parâmetro de conduta com base na ponte aérea Rio de Janeiro-São Paulo. A estimativa apresentada do parâmetro de conduta é negativa em diversos pontos, o que faz com que haja a conclusão de que o mercado apresenta competitividade. Em 2004, há a condenação das representadas pela prática de cartel no tribunal do Cade.

Assim, observa-se que em diversos momentos houve o uso das estimativas de parâmetros de conduta, sendo, nos processos aqui apresentados, sempre realizado pelas atuantes no mesmo mercado relevante. O uso de diferentes metodologias, bem como a aproximação dos modelos acadêmicos na prática antitruste, certamente é uma inovação positiva. No entanto, cabe salientar que talvez os dados utilizados, assim como o contexto em que estas estimativas foram inseridas no processo, são importantes e podem acabar impactando o resultado e sua consideração (ou não) no tribunal do Cade.

[1] https://ideas.repec.org/a/eee/ecolet/v10y1982i1-2p87-92.html

[2] https://econpapers.repec.org/article/eeeecolet/v_3a10_3ay_3a1982_3ai_3a1-2_3ap_3a93-99.htm

[3] https://EconPapers.repec.org/RePEc:eee:econom:v:88:y:1998:i:2:p:227-250

[4] https://revista.cade.gov.br/index.php/revistadedireitodaconcorrencia/article/view/857

[5] https://www.jstor.org/stable/2098582

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