Preço de transferência: MP traz complexidade, mas empresas ganham segurança jurídica

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Foi publicada na quinta-feira (29/12) a Medida Provisória (MP) 1.152/22, que altera a sistemática de preços de transferência no Brasil. A norma, que já era esperada por especialistas e impacta principalmente multinacionais, alinha o Brasil ao padrão utilizado pelos países que integram a OCDE.
A MP acaba com o modelo de preço de transferência com base em margens fixas. Atualmente o contribuinte deve optar por um entre os dez métodos disponíveis: cinco para a importação e cinco para a exportação, em uma sistemática tida como mais simples, porém mais sujeita a distorções e descolada dos parâmetros internacionais.
O preço de transferência é uma forma de calcular a tributação incidente em operações internacionais envolvendo partes relacionadas. Um dos objetivos é evitar a redução indevida das bases de cálculo em operações entre partes ligadas, como controladas ou coligadas. Exemplo desse processo seria, por exemplo, a manipulação de preços tendo como objetivo a transferência de lucro a países com tributação favorecida.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Receita Federal afirmou que a alteração “permitirá uma maior integração da economia brasileira ao mercado internacional, eliminando barreiras que dificultam o comércio, a competitividade entre as empresas, o desenvolvimento de novas tecnologias no País, a atração de investimentos e, consequentemente, a geração de emprego e o desenvolvimento nacional. O novo regramento elimina, ainda, lacunas hoje existentes no sistema que permitem que a base tributária brasileira seja erodida e oferecem espaços para a utilização de abordagens deletérias para a arrecadação das receitas necessárias para suportar os gastos sociais”.
O sistema trazido pela MP é mais complexo em relação ao atual, podendo gerar maior custo de compliance às empresas. Especialistas, porém, apontam que as companhias brasileiras ganham em segurança jurídica, já que adotarão um modelo que também é utilizado internacionalmente.
Além disso, a nova regra deverá acabar com situações de dupla tributação ou dupla não tributação em operações envolvendo empresas ligadas localizadas em países distintos. “A regra atual é muito mais simples, mas economicamente as novas regras fazem muito mais sentido, refletem mais a realidade comercial e asseguram a melhor alocação dos lucros”, diz a advogada Luciana Nobrega, sócia da área tributária do Trench Rossi Watanabe.
Especialistas apontam como principal ponto positivo da MP a possibilidade de consulta à Receita, viabilizando aos contribuintes alinhar pontos relacionados ao preço de transferência antes da realização da operação. Para tributaristas, o diálogo é fundamental para evitar uma enxurrada de autuações fiscais.

Confira os principais pontos da MP 1.152/22, sobre preço de transferência

Arm’s Length

A MP cita expressamente a necessidade de observância, pelas empresas, do princípio arm’s length. A metodologia, utilizada pelos países da OCDE, prevê que o preço de transferência seja determinado através do comparativo com operações semelhantes praticadas por partes independentes. A ideia é que seja possível chegar ao valor da operação caso ela fosse praticada por empresas não ligadas.
A medida também traz uma lista de situações que são consideradas como operações entre partes relacionadas. Entram nessa categoria, entre outras, operações entre controlador e controlada, entidades que tenham sócios em comum e que tenham controle em comum.

Métodos

São elencados cinco métodos a serem seguidos pelos contribuintes para a definição da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. A MP também abre a possibilidade de utilização de outro método, “desde que a metodologia alternativa adotada produza resultado consistente com aquele que seria alcançado em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas”.
Ao contrário do sistema atual, porém, o contribuinte não poderá optar pelo método que lhe é mais benéfico. É preciso escolher o método que reflita de forma mais apropriada o valor da operação caso ela fosse realizada entre partes independentes.
Bruna Camargo Ferrari, professora da FGV Direito SP e sócia do Lobo de Rizzo Advogados, aponta que “não há total liberdade para escolha dos métodos”. “A seleção depende, entre outros requisitos, da aplicação do método mais adequado de acordo com a natureza da transação controlada realizada, considerando a análise funcional, das informações disponíveis quanto aos compráveis, e ajustes necessários em cada método, para se determinar o mais apropriado”, afirma.

Commodities

A MP prevê uma sistemática específica para as operações envolvendo commodities. De acordo com o texto, quando houver informações confiáveis de preços independentes comparáveis para a commodity transacionada, o contribuinte deverá utilizar o método Preço Independente Comparável (PIC).

Intangíveis

Assim como as commodities, os intangíveis receberam um tratamento específico na MP. Entram na categoria de intangíveis, entre outros, os royalties, a propriedade intelectual e as patentes.
A metodologia atual tornava difícil o enquadramento das operações envolvendo intangíveis em algum dos métodos existentes. Como consequência os bens conseguiam “escapar” da tributação ou eram subtributados.
“Como os métodos [atuais] são fixos, não há nenhuma flexibilidade para você conseguir ajustar esse preço de transferência aos intangíveis”, define Luciana Nobrega.

Penalidades

A MP obriga o contribuinte a apresentar a documentação utilizada para cálculo do IRPJ e da CSLL, sob pena de multa.
De acordo com a Receita, será editado ato com o detalhamento do novo conjunto de obrigações acessórias. “Vale, no entanto, ressaltar que a documentação que será exigida é a mesma demanda internacionalmente. Com isso, considerando que os contribuintes já entregam estes documentos em outros países, há tendência é haver uma simplificação no conjunto de obrigações acessórias”.
Ainda, o artigo 8º da medida provisória prevê que, caso a Receita identifique que partes não relacionadas não teriam realizado a transação de acordo com o que foi apontado pelo contribuinte, a operação poderá ser desconsiderada pela fiscalização. “É uma norma antielisiva com o potencial de gerar autos de infrações e contencioso tributário”, diz Thais Shingai, sócia de Mannrich e Vasconcelos Advogados.

Relação com a Receita Federal

Uma das grandes novidades apontadas por especialistas é a possibilidade de realizar consultas à Receita Federal para alinhar previamente pontos relacionados a operações sujeitas às regras elencadas na MP. Nestes casos, porém, será necessário o pagamento de uma taxa de R$ 80 mil. A consulta tem validade de quatro anos, e para a extensão da vigência é necessário o pagamento de mais R$ 20 mil.
“Se houver uma dúvida sobre qual é o método mais adequado, como aplicar o método, como realizar os ajustes na base de cálculo, o contribuinte vai poder apresentar uma consulta para a Receita Federal”, afirma Thais Shingai.
Sobre a cobrança da taxa, a Receita esclareceu que procedimento semelhante é adotado em outros países, como Estados Unidos, México, Croácia, Alemanha, Hungria e Luxemburgo, que exigem valores entre EUR 5 mil a EUR 116 mil. “Nesse processo de consulta específico, a situação concreta é analisada em mais detalhes e estabelece-se a metodologia a ser utilizada pelo contribuinte e outros aspectos para o cumprimento das normas. Tendo em vista que tal processo exige o emprego de recursos e custos adicionais à administração tributária, que precisará alocar equipes especializadas para o atendimento a esse novo mecanismo, a MP prevê a cobrança a taxa para fazer frente aos custos relacionados a essa decisão que irá beneficiar apenas o consulente”.
O diálogo entre Receita e contribuintes é elencado por especialistas como essencial para evitar uma enxurrada de autuações relacionadas às novas regras. Isso porque a nova sistemática é complexa e conta com um alto grau de subjetividade, abrindo espaço para questionamentos pelo Poder Público.

Vigência e regulamentação

A MP 1.152/22 precisa passar pelo Congresso para ser convertida em lei e surtir efeitos. Os parlamentares têm até 1º de junho para analisar o texto, sob pena de perda de objeto.
Por envolver Imposto de Renda, mesmo que a MP seja convertida em lei em 2023 as novas regras só valerão a partir de 2024, por conta do princípio da anualidade. O texto da medida provisória, porém, abre a possibilidade para que os contribuintes façam a opção pelas novas regras já no ano que vem.
Mesmo com a conversão da MP em lei caberá à Receita regulamentar diversos pontos da norma. Será necessário esclarecer, por exemplo, quais dados os contribuintes poderão utilizar para a comparação das operações envolvidas com operações entre partes relacionadas e como se dará o sistema de consultas.

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