STF referenda acordo entre Itaú e Copel e estatal fica mais próxima da privatização

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O colegiado do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou o acordo assinado entre o Paraná e o banco Itaú sobre a dívida do estado com a instituição financeira. Embora o documento já pudesse surtir efeitos mesmo sem o aval da maioria dos ministros, conforme o Código de Processo Civil, há uma cláusula no documento em que o banco só poderia começar a receber após o término do referendo – o que estava gerando uma insegurança jurídica quanto ao pagamento do débito e o futuro da privatização da Companhia Paranaense de Energia (Copel).

O referendo terminou na noite de sexta-feira (28/4) e o relator da ação foi o ministro aposentado Ricardo Lewandowski. A discussão ocorreu no ARE 1291514.

Dessa forma, o processo está extinto no Supremo e o Itaú poderá começar a receber a primeira das três parcelas que totalizarão R$ 1,7 bilhão. A primeira será de R$ 600 milhões e as duas seguintes de R$ 550 milhões. A primeira parcela deve ser paga em até 15 dias corridos após o referendo do acordo; a segunda após um ano e a terceira, até o segundo ano.

Pelo acordo, a caução sobre as ações ordinárias da Copel continuará válida e eficaz até o pagamento da última parcela do acordo – a quitação de cada uma das parcelas acarretará a extinção da garantia proporcionalmente aos valores pagos.

O pagamento ao Itaú também pode ocorrer após 15 dias corridos da data em que “eventualmente houver a liquidação financeira da oferta pública de ações da Copel autorizada pela Lei Estadual 21.272/2022”.

O acordo foi um dos últimos atos do ex-ministro Ricardo Lewandowski antes da aposentadoria – que, embora não precisasse submeter o documento ao colegiado, o fez, em um julgamento virtual extraordinário no dia 10 de abril.

No entanto, o ministro André Mendonça pediu vista na votação na época. Na quinta (27/4), o magistrado devolveu a vista e, em plenário virtual extraordinário ocorrido na sexta-feira (28/4), ele acompanhou o acordo proposto por Lewandowski. Porém, fez ressalvas em relação à fundamentação utilizada pelo relator quanto à escolha do pagamento da dívida não ser feito pelo regime de precatórios. O ministro Nunes Marques acompanhou o voto de Mendonça.

“Após imprescindível verticalização nos autos deste feito — o que, por óbvio, demanda o emprego de tempo e recursos humanos —, firmei convicção no sentido de que a relação creditícia discutida no presente caso não atrai o regime dos precatórios. Isso porque a obrigação decorre de garantia auto executável de caráter real, qual se refere a ações da Companhia Paranaense de Energia prestada pelo Estado do Paraná em favor do Banestado, cujo interesse jurídico na atualidade cabe ao Itaú Unibanco S.A”, escreveu Mendonça.

“Filio-me, neste momento processual, à proposição de resolução do mérito inaugurada pelo dileto Ministro Ricardo Lewandowski. Por oportuno, exponho, ainda, singela ressalva quanto à fundamentação do Relator baseada no argumento de que o art. 3º186; do CPC facultaria às partes, uma delas Fazenda Pública, decidir sobre a forma de cumprimento de obrigação pecuniária vertida em título executivo extrajudicial, à luz do regime dos precatórios positivado no art. 100 da Constituição da República”, acrescentou.

Acompanharam integralmente o ministro Lewandowski os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Rosa Weber. Os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso se declararam suspeitos.

A dívida do estado do Paraná com o Itaú era no valor atualizado de R$ 4,5 bilhões e, durante a negociação, o valor caiu cerca de 62%, desde que o estado quite as dívidas no cronograma estabelecido no acordo.

Entenda o caso

O imbróglio se estende na Justiça desde 2004. No entanto, a questão começou quando o governo do Paraná fez uma operação de crédito junto ao Banestado, na época, de controle estatal. A garantia oferecida foram as ações da empresa pública também pertencente ao estado, a energética Copel. O contrato firmado entre o estado e o banco estatal ocorreu em 1998, com base na Lei Estadual 11.253/1995, a qual autorizava o Poder Executivo dar em caução ou oferecer como garantia de operações de crédito, financiamentos e operações de qualquer natureza, ações da Copel.

A privatização do Banestado ocorreu em seguida e, em 2000, o banco estatal foi adquirido pelo Itaú Unibanco S/A, na época por R$ 1,625 bilhão, o que representa um ágio de 303,2% em relação ao preço fixado pelo governo do Paraná, que era de R$ 403 milhões. Dessa forma, o valor a ser pago pela dívida é similar ao que o Itaú pagou pelo Banestado há mais de 20 anos.

Como o estado do Paraná não realiza o pagamento da dívida desde 2002, o Itaú resolveu executar as garantias e ter acesso às ações da Copel, sob o argumento de que o crédito possui garantia real — as ações da energética — e não deve ser pago por meio de precatórios. Segundo informações contidas nos autos, em 2005, o valor da dívida do estado do Paraná com o Itaú era de R$ 705.957.369,08. Nesses quase 20 anos de ação judicial, o valor sofreu correções.

Porém, a Justiça estadual do Paraná entendeu que a operação de execução direta do Itaú dando direito às ações da Copel era irregular. O entendimento é que as ações da empresa não podem passar dessa forma para o ente privado, seria uma espécie de “privatização” sem seguir os trâmites legais. A Justiça tem entendido ainda que a existência de um contrato de garantia real das ações da Copel não afasta o Itaú do regime de precatórios, sob o risco de quebrar as regras de isonomia entre os credores e desrespeito aos princípios e regras do sistema orçamentário.

No entanto, o Itaú contesta o entendimento judicial e recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) alegando que a garantia real permite a relativização da fila dos precatórios. No entanto, o STJ observou que há questões constitucionais que precisam ser resolvidas no Supremo Tribunal Federal. Por isso, atualmente o imbróglio foi parar nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski. Havia um esforço do ministro para tentar resolver a situação antes da aposentadoria e evitar que uma mudança de relatoria atrasasse ainda mais a conciliação.

Durante as negociações, o estado do Paraná alegou que era necessário ter dinheiro em caixa para quitar a dívida com o Itaú e evitar qualquer execução das ações da Copel. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias do Estado de 2023, o estado chegou a separar R$ 8 bilhões para tentar resolver a questão.

Um ponto importante para que ocorresse a conciliação foi o acordo do ICMS dos combustíveis feito por Gilmar Mendes. Os procuradores do Paraná alegavam que sem a decisão sobre o tributo não havia certeza das verbas disponíveis em 2023 para, então, poder provisionar o pagamento ao Itaú. Inclusive, o estado do Paraná aprovou projeto de lei aumentando a alíquota modal (padrão) do ICMS para 19% — antes era 18%.

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